25/03/2006

afundo-me no sonho
desço em câmara lenta
até pousar no chão
enquanto abandono o corpo.
percebi que morri.
inesperadamente não acordei,
não se tornou um pesadelo
a descida à terra
a fugida ao corpo,
e fiquei para ver
o que ía acontecer
com a leveza
de quem não tem
qualquer problema por resolver.
não me lembro de isso acontecer
enquanto vivo e acordado.
levitei do corpo
viajei no tempo
enquanto sobrevoava a cidade
feita castelos de cartas
que se faziam e desfaziam.
só depois acordei.

19/03/2006

é doloroso despedir-me assim
com um adeus, até amanhã...
e escondendo na face o até sempre
porque já não consigo suportar
passar um minuto mais em frente aos teus lábios
sabendo que já não gostas de me beijar.
às vezes falo com o meu caderno e
fico à espera que ele responda.
a janela onde passo as noites de fim-de-semana
tem uma lista azul. é de noite, faz chuva
mas algo lá em cima, ao fundo, me faz crêr
que há um céu azul que carrega esperança.
e o caderno continua a não responder...
no sítio onde venho beber deixaram-me um ticket
com o valor a pagar antes do bar fechar.
este ticket trazia o meu nome escrito.
fiquei com a sensação que não estou só,
que alguém aqui sabe o meu nome.
mas será que essa alguém, algum dia erguerá o meu
nome das letras e o pronunciará?
e o caderno continua a não responder.

15/03/2006

o 2º despertador tocou
o despertador voltou a tocar.
o despertador voltou outra vez a tocar
o despertador voltou a tocar...
o despertador tocou...
meia hora para dormir...
estas insónias um dia terão que acabar.

14/03/2006

oito e vinte da manhã, e ainda não dormi.
é melhor começar a pensar numa desculpa
para só ír trabalhar às 2 da tarde...
o despertador começou a tocar e
torna-se mais irritante do que nos outros
dias.
a gata observa-me do puff desconfiada.
voltou a dormir. sortuda!
vivo numa sociedade tão democrática
que ninguém respeita o meu horário
aleatório de sono.
a hipocrisia é tão grande que lhe
chamam 40 horas semanais e recusam
chamar-lhe 8 horas diárias. nem me
importava que fossem 45 desde que fossem
flexiveis.
acho que é melhor ír às finanças colectar-me
como profissional liberal
e vender a alma ao fisco.

10/03/2006

vi-te como alguém que me ajudasse
a salvar desde que te vi.
vi-te como alguém que precisasse
ser salva por mim.
mas deixaste de aparecer. e agora
só sei que um de nós não pode ser salvo,
e de ti não sei.
perco tempo de vida no queimar
de um cigarro, no entornar de
mais um copo na solidão
desta mesa, no perder, no afugentar
dos amigos, dos conhecidos,
dos inimigos e de todos os outros.
perco tempo de vida enquanto escrevo,
enquanto bebo outra caneca de sangria,
outra caneca de solidão. espero, bebo
e desespero que o vinho faça efeito
e me faça viajar para fora desta mesa
vazia. e que a viagem me dê
calor para aguentar a espera de
mais um dia, uma semana, um mês,
um ano, uma vida.
tanta espera e nenhum alcançar.
acho que me perco a meio da viagem...
...apareceste agora. estarei salvo?
ou será só o calor da viagem!...
estás aqui mas ainda não me disseste
nada... e como alguém dizia:
mais vale só que mal acompanhado e
mais vale bem acompanhado que só...
e eu aqui continuo
nesta mesa não vazia, mas parece-me
que continuo só.
passei metade da vida a
perseguir estrelas cadentes
à procura de um desejo
que fosse só destinado a mim.
deitei-me cada vez mais tarde
levantei-me cada vez mais cedo
porque talvez houvesse uma
estrela só para mim.
nunca pedi coisas como desejo
não desejei ter, só desejei ser
minimamente feliz ou
minimamente infeliz.
e quanto menos se deseja
menos se recebe.
e um dia deixa-se de acreditar
que existem estrelas cadentes
já deverias saber por extrapolação estatística
que não choverá nem um milimetro
cúbico do teu coração
neste deserto
árido
onde o calor sobe e mantém
o céu azul solitário.
por isso, não me ameaces
com essas tuas núvens cinzentas
só por capricho,
só para veres florescer uma esperança que
vai trazer rebentos já secos e que a
areia da tua indiferença
vai facilmente engolir

08/03/2006




ninguém e o monstro são o mesmo
assistindo ao deleite do dia-a-dia
sob este céu cinzento carregado.
ninguém porque não sou ninguém
para ninguém. passo incólume ao
interesse dos outros. monstro
porque quem tem de lidar comigo
pelos condicionalismos do dia-a-dia
se assusta e foge. e assim
é lidar comigo com dois e o mesmo
cá dentro. um fica a um canto
discreto porque não está habituado
a que reparem nele. relegado a um
canto e mantendo a expectativa que
um dia alguém repare nele, nem
que seja um monstro. o outro,
o monstro isola-se no canto oposto
para não assustar ninguém. relegado
a um canto e mantendo a expectativa
que um dia ninguém se assuste.
assim é viver comigo.






como expulsar o sem abrigo
residente nesta morada
com pedras, palavras duras?
com silêncio?
como mandá-lo embora?
que o prende? já que nada tem.
sem família, nem amigos,
nem companheira, nem televisão.
o que o agarra a esta mesa?
a primeira a traí-lo.
o que os leva a deixarem-me
permanecer aqui?
será um estudo para confirmar
que o silêncio produz melhores
resultados que as palavras
ou as pedras?
que os leva a deixarem-me sair
e a manterem o silêncio.
sem abrigo, é o que sinto ser
sob o falso tecto protector de uma mesa
de bar cheia de estranhos sem
esmola para dar nem tabaco para cravar.
porque não me expulsam eles
e porque quando saio não é definitivo?
será que o aperto da solidão
é suficientemente esmagador para
me fazer permanecer onde sou ignorado,
e a simples presença de caras estranhas
é cinza com calor suficiente
para me aquecer e para voltar?


07/03/2006

mais uma fuga
por entre estes prédios em chamas
cinzentos pele sem coração
criações inacabadas sem rosto.
mais uma fuga sem sentido
medos, receios infundados
acabados sob o primeiro passo
que raramente se dá.
e os que se dão levam a um
caminho difícil. o do não!
o de voltar atrás, a casa,
ao ventre, ao da proteção da solidão.
mais uma fuga em direcção
ao orgulho de não dizer
porque preciso de ti,
não por necessidade,
mas por gostar.
mais uma fuga
porque o gostar ou o amar é
segredo, é íntimo e só faz sentido a um.
mais uma fuga
porque a dois é uma chama,
que alguém dizia, não ter mais
lenha por onde arder.
e que se começa a extinguir
ao primeiro toque.
mais uma fuga
pelo evitar do primeiro toque,
do primeiro beijo, da primeira palavra
e da avalanche de todas as outras
que não se seguirão.
mais uma fuga
que eu nasci para fugas de mim,
e as minhas fugas são persiguições
às fugas de mim
até me alcançar sozinho ao entrar pela
porta de casa.
devolve-me a minha nuvem cinzenta
que não ta ofereci
devolve-ma que é minha por direito
de nascença
comprei-a num leilão onde mais ninguém a licitou
e a base de licitação foi zero... zero de euros,
zero de cor, zero de dor
devolve-ma que me custou muito a colorir
de preto e branco, que me doeu muito
a esvaziar de cor, que me ardeu muito
a esvaziar de amor

06/03/2006

afundo-me nesta cadeira à espera que vás.
que te levantes desta conversa de surdo-mudo
que não quero mais.
afundo-me nesta cadeira e olho para a rua
à espera que a minha indiferença te faça desistir
de permanecer nesta mesa.
vai, desaparece, que não te quero mais!
deixa esse lugar para alguém
de toque menos frio, de voz mais doce.
deixa esse lugar vago para alguém cuja voz
não pareça mil gongos a ressoar
na minha cabeça.
vai, desaparece que não te pedi para sentares,
nem para me torturares com palavras sussuradas
de dentro dos ouvidos.
vai! foge! desaparece! levanta-te que a minha
conversa não tem interesse nem volume
suficiente para te tocar e te deixares
ficar a conversar.
vai! desaparece e deixa esse lugar vago
para alguém de carne e osso.
vai! desaparece solidão.
faz de conta
faz de conta que alguém se interessa por
detrás das poucas palavras trocadas
faz de conta que alguém gosta por
detrás de tamanho sorriso
faz de conta que um dia não existirá
o por detrás no interesse ou no gostar
e faz de conta que o interesse, o gostar
e o sorriso serão maiores que o jogo
do faz de conta
faz de conta que vou jogar e que
não me vou magoar
faz de conta que hoje já não magoa
faz de conta

03/03/2006

to your eyes i'm a mistake of nature
like all that grews outside your skin
a irreversible carelessness of natural selection.
to your eyes i'm no one and the monster
packed in like sardines
in a schizophrenic defective mind.
to your eyes i have a heart shaped hole
between the saclike organs
swallowing all around.
to your eyes i'm poisonous
like pixie rings tarnishing ground.
so, leave secretly a mouse click away
cause i'm no disease made prize
my mind don't eat this deceitful world bred on tv
i have red blood like you
and i don't taste like plastic food