23/07/2007


não faço outra coisa
a não ser esperar
a escrever e a acovardar
a vontade de ver-te chegar.
não faço outra coisa
a não ser ver-me afogar
em ilusões de ver-te procurar
por mim em qualquer rua
em qualquer esquina
e não faço outra coisa
a não ser ver-me desesperar
em imagens imaginadas
de ti a gostar de quem aqui
não faz outra coisa
a não ser esperar por ti
e esperar não me faz
perder as ilusões,
ciclo viciado sem sentido
que me faz não fazer
outra coisa que não seja
andar perdido a esperar

desta vez o sonho
foi-me logo barrado á partida
como se tivesse o peso
da desvantagem
a agarrar-me os pés
como se tivesse o facto
de ser um estranho
entre amigos de anos
de piadas privadas
a enrolar-me a língua
e a afastar-me de ti
e percebo-o no teu olhar
quando deixas pernoitar os olhos
um segundo a mais
do limite da descrição
e quando te sorrio
um segundo a mais
do que é aceitável
para um estranho
e tudo isto me parece
irrisoriamente injusto
porque todos temos
um coração para cuidar

vejo a praça
de outra perspectiva
como quem a vê
de fugida
como quem a vê
de partida
poderiam existir uns
ramos de árvore
a ondular um adeus
ou quem sabe uns
braços de pessoas
a apupar uma saída
mas a praça está fria
como a cidade
que a engole e esfola
em cinzentos betão
e sonhos largados da mão
estilhaçados no chão
de habitantes com muito
dentro do peito
e coração desfeito

19/07/2007


sinto-me só
acompanhado da televisão
e do sofã
e não sei o teu nome
para te chamar
e não sei o teu número
para te tocar
nem a cor dos teus olhos
para pintar
sinto-me só
acompanhado da televisão
do sofã, da gata
e dos fantasmas
sentados no cadeirão
e já não sei o nome deles
para os cumprimentar
nem o número
para os chamar
nem a cor dos teus olhos
para pintar
nem o sabor dos teus lábios
para tocar
nem o tom da tua pele
para beijar

que linda és
embriagada ao ponto
de seres comentada
de seres invejada
desejada, idolatrada.
que linda és
desenvolta, solta
e impossível para mim
entre mil abutres
sedentos de entranhas
e sucos vaginais, ideiais.
que linda és
entre os livros
perseguindo objectivos
e por isso espero
como um isco
desaparecendo, despedaçando-me
sufocando em água
e desesperando

ontem pintei um graffiti para ti
hoje a parede está vazia, fria
sem compaixão pela tua beleza
e sem vestígios de lhe teres
passado a vista por cima.
ontem pintei um graffiti para ti
e hoje nem saberás que ele existe
e amanhã quem te ama desiste
de pintar graffitis.
hoje escrevi um cadernos de textos
para desgastar a imagem
que tenho de ti
para te esquecer em cada palavra
para acordar em cada pausa
em cada ponto final
e me lembrar que não gostas de mim.
para me lembrar
que só o despertador não desiste
e insiste
a cada nove minutos
em me lembrar
de acordar para ti.

mais um porto
mais um morto
mais um aborto
de pensamento, de sentimento
mais um pedaço de auto-comiseração
por causa de mais um não
por causa de mais um vazio
que me encheu o peito.
mais um porto
mais um alento
sobre este céu
de chumbo cinzento.
mais uma noite
nesta caixa vazia
igual a mais oitenta
onde só os frigoríficos
murmuram um suspiro
que me alenta
murmuram um suspiro de revolta
de não solidão,
de compaixão.
mais um porto
mais um morto
mais um aborto
de pensamento, de sentimento

desespero enquanto espero
e o dia beijou a lua
e o luar sugou um novo dia
e o verão comeu uma nova estação
e o frio comeu-me de novo o coração
lua após lua
letra após letra
canção após canção
e mais uma vez
vejo-te desaparecer
entre dons sebastiões
nevoeiros, demónios e solidões
e desespero enquanto espero

uhhh, a vida mata
por cada passo dado
por cada lado virado
da página do dia
uhhh, a vida corre
por cada caminho
traçado ou falhado
por cada estação
apeadeiro alcançado
uhhh, a vida cansa
em cada noite mal dormida
em cada dia mal vivido
em cada momento bom
conseguido
uhhh, a vida moi
em cada ferida aberta
em cada tira de pele
descoberta
em cada cama desfeita
em cada cama por fazer

precisamos falar
a bem da sinceridade
imposta pelo coração
que passeio nas mãos
precisamos de nos tocar
a bem da roupa
tocada do perfume que restou
e da tela por pintar
precisamos de nos beijar
a bem da pele
descoberta de saliva
dos pelos por eriçar
dos preservativos desperdiçados
dos lábios amedrontados
e dos corpos por suar

16/07/2007


Somos como plutão!
quanto mais distantes
mais despromovidos
não cabemos na convenção.
somos feios, impopulares
e não temos gang
somos tristes, distantes
e sérios... e despromovidos.
somos feios e impopulares
e despromovidos
por usar a mesma roupa
dois dias seguidos
e por usar de honestidade
dois dias seguidos.
e os homens de carácter
passaram de moda
como as calças compradas
a semana passada.
somos como plutão.
quanto mais distantes
mais despromovidos.

Foges de mim discretamente
com desculpas desnecessárias
como se eu fosse cego
como se eu fosse não notar
como se eu me importasse
de levar mais um não.
Foges de mim covardemente
atrás de um sms impessoal
como se eu não sentisse
os dedos despachados a teclar
e a cabeça fugir para outro lugar
como se eu me importasse
de levar mais um não
mais uma estalada de razão
por isso foge, foge
foge descansada
e segue o teu coração
que eu não me importo
de levar mais um não