17/04/2006

tenho uma bala a meio do peito
disparada pela boca dum amigo

15/04/2006

não, não sei escrever
pelo menos dessa maneira
que estás à espera
a não ser que já nada esperes
encontrar escrito.
se estás aqui por insónia,
põe uma música, daquelas bem tristes,
pega num copo, num vinho do porto
por aí perdido, num whiskey,
num licor beirão ou noutro qualquer
néctar de Baco,
não para esquecer, mas
para sentir a triplicar
que esta escrita de pouco vale
a não ser que já nada esperes
encontrar escrito.
a tinta perdeu a cor
e não terei sido eu a perdê-la
tal como não fui eu que perdi
a vontade de olhar os olhos dos outros
foram-me só oferecidos desvios de olhar
foi só o que me foi oferecido
um presente envenenado.
não, também não fui eu que te perdi.
foi o não quereres ser achada por mim,
perdida a tentares ser achada.
e a pedra rebola na calçada
pontapeada por quem não te quer achar,
e eu, garimpeiro triste e falhado,
no distante outro fundo da rua
perdi-me à tua procura.
não, não fui eu que te perdi,
foi o não quereres ser achada por mim.
e mil ruas, mil luas depois
perco-me a achar que te perdi.
e a covardia oferecida do
desvio do olhar venceu-me
quando te olho no teu fundo da rua.
não, não fui eu que te perdi
e também nem tudo perdi.
ganhei o gosto desta sangria
que me deixa o peito a latejar
ganhei esta mistura de dores,
a da sangria e a do sangue
que engulo juntas mas só
a primeira sei expulsar.
não, não fui eu que te perdi
foi o não quereres ser achada por mim.
mas fui eu que me perdi,
no distante outro fundo da rua,
a procurar por ti.
hoje comprei uma prenda para uma
companheira imaginária.
tentei chama-la pelo telefone mas
não respondeu, mandei-lhe mensagens
mas nem ela nem ninguém apareceu
para reclamar o que era seu.
conhecida ou desconhecida
ninguém a quis desembrulhar
talvez ninguém queira ter que agradecer
a surpresa, ou talvez ninguém queira
surpresas minhas.
vai ficar embrulhada e eu com ela
talvez me transforme no génio
da lamparina preso durante séculos
e talve um dia alguém me acorde
para pedir os três desejos...
é só o que desejo

14/04/2006

assisto a esta lenta decomposição
enquanto olho de soslaio para dentro
deve ser água com sal que corre
dentro destes tubos.
dois deles estão rotos um pouco
abaixo das sobrancelhas.
deve ter sido da solidão urbana
que os corroeu aos poucos.
as nuvens de chumbo roçam-se
pelas arestas dos habitantes de betão
e vão vertendo pedaços de azulejos
minúsculos produzidos em série.
calcados pela indiferença de quem passa
à pressa de cabeça altiva e crista depenicada.
um destes dias um desses pequenos esquecidos
há-de reclamar atenção atingindo em queda
livre um inocente e romper-lhe os canos
um pouco abaixo das sobrancelhas.
a água salgada há-de então
verter-se toda, diluir-se na calçada
e abraçar os pequenos pedaços.