19/03/2008


Dói-me não adormecer
dói-me ver amanhecer
encolhido no sofá
e a cama por desfazer.
dói-me o corpo, doi-me a cabeça
dói-me a falta que faz
um segundo de calma,
um segundo de paz.

dói-me o anelar da mão
de tão só que está
faz-me falta um coração
e a paixão que ele dá

Dói-me não adormecer
dói-me ver amanhecer
encolhido no sofá
e a cama por desfazer.
dói-me a boca mirrada
dói-me a face lilás
à procura da caixa negra
neste peito que se desfaz.

dói-me o anelar da mão
de tão só que está
faz-me falta um coração
e a paixão que ele dá

10/03/2008


chamam-te carcaça inútil
dinheiro fora de circulação
espécie humana anormal
habitante de banco de jardim
a jogar as cartas com os teus
e a roleta russa com o tempo
de olhar mais vago e distante
pressentindo algo mais próximo
algo bem mais perto de ti.
chamam-te carcaça improdutiva
substituída por uma máquina
brilhante, bem oleada e bem escrava
a troco do soldo mínimo.
os entendidos recusam a palavra
para chamarem a atenção
e sem esperança se desculparem
de a cura ser uma ilusão
para se desculparem de não conseguir
transformar a doença em benção.
chamam-te de carcaça inútil
após quarenta anos de trabalho
a alimentar os bancos e o estado
carregado de medicamentos
mas só metade dos que o dinheiro
consegue comprar
és atirado, despachado
para o ferro velho
para o lado de lá
não que a morte
te tenha vindo buscar
mas apenas pela sociedade
a quem deste vida
essa é a primeira a te empurrar.
chamam-te carcaça inútil
chamam-te de velho

03/03/2008


tudo está bem agora.
os cantos do quarto
alinham-se em silêncio
rodando na penumbra
e a cama gigante
em déjà vus sucessivos
só serviu de pátio
para o desalento
afastando os corpos
madrugada adentro
até restar só o meu
em déjà vus sucessivos
a tentar trazer o teu
corpo de curvas de fogo
e a tentar reanimar o teu
coração de pedra de volta
mas tudo está bem agora
no silêncio deste quarto