23/12/2006

Hoje o dia começou bem, à boa maneira irónica.
Uma hora de sono, levantar e ír para Lisboa em trabalho.
Se a vontade já era nenhuma, andar perdido à procura do local
não a tornou maior.
Para melhorar o dia, não consegui realizar o trabalho.
Já o horóscopo no jornal avisava que algo se poderia decidir hoje.
Voltei para a estação muito mais cêdo do que antevi,
carregando o peso da missão não cumprida, carregando uma culpa
que se vai tornando cada vez mais difícil de suportar.
Umas sandes e um sumo a fazer de pack pequeno-almoço e almoço
foram difíceis de ingerir.
A minha irmã disse-me ontem que ando apático para a vida. E foi
assim que me senti ao debicar as sandes sentado vergado num banco
no salão de espera.
Vi-te passar ou vi alguém muito parecida contigo passar. Mas só vi
o cabelo e as costas. Fiquei sem saber se eras tu,
mas ao ver o comboio em que embarcaste afastar-se
senti como se fosses
e o vazio manifestou-se imponente e profundo
como de todas as outras vezes que te senti partir.
A vontade sucumbiu neste banco e deixei-me desfalecer
e adormecer à espera que o meu comboio chegasse...
O meu comboio que se afasta
parte com destino incerto e quase vazio. Os passageiros,
poucos e de caras familiares vão aqui para me acompanhar
até à porta de casa mas nenhum me olha, nenhum me fala.
Levantei-me e percorri todas as carruagens à tua procura.
Vi toda a gente, mas de ti nem perfume nem sorriso,
só o silêncio ecoado da carruagem vazia...
Acordei de pé a meio do salão de espera da estação.
Ao fundo meia dúzia de passageiros repartidos por
quatro mesas de esplanada olham-me com a indiferença
colectiva de quem por aqui já muitos comboios esperou
e para muitas personagens perdidas na estação olhou.
- É apenas mais uma alma descalça! - Gritam eles
silenciosamente para o fundo do copo de refrigerante.
Volto para o meu banco. O meu trabalho por realizar
continua aqui num computador portátil dentro de um saco
e num cérebro desorientado suspenso em cima de um corpo.
Ningém o roubou enquanto sonambulava à tua procura.
Ninguém quer o tabalho dos outros e eu, apático, também
nutro por ele pouca simpatia.
Encostei a cabeça à parede por detrás do banco.
Ainda tenho meia hora para dormitar antes do comboio partir.
Adormeço novamente...
e os pés começam-me a queimar enquanto caminho pelas
traves de madeira que fervem pintalgadas de óleo queimado
enquanto seguem os carrís.
Tenho que abrandar e o teu comboio afasta-se mais até
desaparecer ao fundo na curva.
- Adeus!... - Desabafo em tom de despedida quase
um ano depois de teres desaparecido mas só agora começo
a sentir o abrandamento da tua falta.

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