12/11/2007



ohhhhh,
descalça-te, solta os dedos dos pés entre a terra,
solta o cabelo e os olhos no infinito do mar
segurando um barco à vela e
"Jeff Buckley - Lover, You should come over"
cantando aí bem perto ao fundo da sala.
pega num Porto, num Verde ou num néctar
que te adoce os lábios cansados de mais um dia
de miúdos-homens, de globalização e de
surrealismos que pairam na televisão.
ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
estás obrigada a ler este mail repetidamente
segundo estas condições
sob risco deste texto não fazer sentido
ou de provocares um acidente inter-estelar
e não haver lua sob a qual possas amar
ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
somos duas constelações milernarmente
solitárias, perdidas... em rota de colisão
hoje, amanhã ou no mês que vem
e não há lençois de seda
em que eu não te queira beijar em tal combustão
Ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
não te deixes enganar
pelos exageros que dizem de mim
sou apenas mais um humano
cravejado de defeitos
teimando caminhos de solidão
Ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
se eu fosse Pessoa
todos os meus heterónimos
te confessariam opiaciamente
que adorei a tua fotografia
e que desde o meio-dia de ontem
te trago aqui
neste lado do peito
sem saber o que te escrever
Ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
não sou Pessoa,
sou ninguém, sou nada
sem te conhecer
todas as noites
a olhar as estrelas
à procura de ti
Ohhhhh, por isso
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
não me assobies com um doce
e me largues como um cão vadio
a 100 quilómetros de distância
porque eu todos os dias
farei o caminho de volta
nem que seja
para que todos os dias
possa ficar a dois metros de ti
Ohhhhh
amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor, amor...
devias estar agora aqui
nesta rota de colisão

28/10/2007


parece que foi ontem
que adormeceste em pétalas
sopradas por mim.
de planos falhados
e amores desfeitos
foi o único momento
que ficou,
em que realmente te amei,
em tudo o resto falhei
e tudo o resto esqueci.

a confusão de sentidos instalou-se
já não paira a razão
deslocou-se o tempo e
falhei a hora do autocarro
fiquei sentado de caneta na mão
e caderno a amanhecer
em solidões de orvalho.
doi-me o coração! Caralho!
não dá para transparecer?
ou será que é preciso
dar-te duas estaladas
de luvas brancas
e unhas em lâmina?
sim, tu que estás a ler!
sim, é para ti.

perdi-me algures
entre os vinte e os trinta
e ainda não me achei
a procurar por mim no passado
devo abrir os olhos
e seguir em frente
destemido à procura
de onde quero estar
porque se perde demasiado tempo
a reavivar cinzas
que deram tudo de si
e merecem descansar.
perdi-me algures
entre as duas e as seis da manhã
de todas as noites de vida
a procurar por ti
mas desisti
cheguei à conclusão
que não és noctivaga.

preciso mudar a forma como
inspiro este ar dos dias
de violetas frias e de
orvalhadas cinzentas e dispersas
que o calendário devora.
preciso mudar este sorriso
que se esconde atrás
das incómodas frustações
das aberrantes desilusões
que se herdam dos patrões
no eterno contar dos tostões.
preciso mudar o ser
que inventei para mim
culpando o lugar que o
abriga do vento, do tempo
em desculpas esguias e sombrias
preciso aprender a reconhecer
quem sou atrás deste
que aqui está transformado
e aceitar pacificamente
a evolução, a revolução
do que se seguirá.

hoje apeteceu-me escrever
como se tivesse encontro
consulta marcada
no consultório da morte
amanhã de manhã
e já não tivesse tempo
para dormir uma
última noite de sono.
hoje apeteceu-me pintar
como se amanhã
fosse acordar num mundo
a preto e branco
em que ninguém se lembra
de que cor é o seu sangue.
hoje apeteceu-me tocar guitarra
como se amanhã fosse ficar
surdo como uma pedra
que não se afasta impávida
só para ouvir o dedilhar
dos pneus na estrada molhada.
hoje apeteceu-me saborear
com a pele uma lágrima lenta
como se amanhã o ferver global
fosse secar o profundo oceano
e o transformasse em marte.

21/10/2007


nada feito.tudo desfeito.
tudo me leva a partir
tudo me leva a desistir
de mãos limpas a tinir.
nada feito. tudo desfeito
e nada para quebrar,
nem para desabafar
nem um caco
nem um vidro
para me deixar fugir
nem uma bala, nem um fio
para me agarrar
e poder deixar-me cair
trinta e três
e assim queria ficar
e demasiada covardia
a deixar-me arrastar
pelo nada feito
pelo tudo desfeito.

tenho um buraco aberto
a meio do peito
chama-lhe coração desfeito
chama-lhe de insatisfeito
chama-lhe defeito
chama-lhe o que quiseres
só não tenhas preconceito
nem nojo, nem temor
de não o ter como tu
quente, ardente
e por vezes indiferente
tenho um buraco aberto
a meio do peito
foste tu! foste tu!
não deixaste sarar
não o deixaste fechar
aos sopros mundanos
aos medos urbanos.
tenho um buraco aberto
a meio do peito.
foste tu! foste tu!

23/07/2007


não faço outra coisa
a não ser esperar
a escrever e a acovardar
a vontade de ver-te chegar.
não faço outra coisa
a não ser ver-me afogar
em ilusões de ver-te procurar
por mim em qualquer rua
em qualquer esquina
e não faço outra coisa
a não ser ver-me desesperar
em imagens imaginadas
de ti a gostar de quem aqui
não faz outra coisa
a não ser esperar por ti
e esperar não me faz
perder as ilusões,
ciclo viciado sem sentido
que me faz não fazer
outra coisa que não seja
andar perdido a esperar

desta vez o sonho
foi-me logo barrado á partida
como se tivesse o peso
da desvantagem
a agarrar-me os pés
como se tivesse o facto
de ser um estranho
entre amigos de anos
de piadas privadas
a enrolar-me a língua
e a afastar-me de ti
e percebo-o no teu olhar
quando deixas pernoitar os olhos
um segundo a mais
do limite da descrição
e quando te sorrio
um segundo a mais
do que é aceitável
para um estranho
e tudo isto me parece
irrisoriamente injusto
porque todos temos
um coração para cuidar

vejo a praça
de outra perspectiva
como quem a vê
de fugida
como quem a vê
de partida
poderiam existir uns
ramos de árvore
a ondular um adeus
ou quem sabe uns
braços de pessoas
a apupar uma saída
mas a praça está fria
como a cidade
que a engole e esfola
em cinzentos betão
e sonhos largados da mão
estilhaçados no chão
de habitantes com muito
dentro do peito
e coração desfeito

19/07/2007


sinto-me só
acompanhado da televisão
e do sofã
e não sei o teu nome
para te chamar
e não sei o teu número
para te tocar
nem a cor dos teus olhos
para pintar
sinto-me só
acompanhado da televisão
do sofã, da gata
e dos fantasmas
sentados no cadeirão
e já não sei o nome deles
para os cumprimentar
nem o número
para os chamar
nem a cor dos teus olhos
para pintar
nem o sabor dos teus lábios
para tocar
nem o tom da tua pele
para beijar

que linda és
embriagada ao ponto
de seres comentada
de seres invejada
desejada, idolatrada.
que linda és
desenvolta, solta
e impossível para mim
entre mil abutres
sedentos de entranhas
e sucos vaginais, ideiais.
que linda és
entre os livros
perseguindo objectivos
e por isso espero
como um isco
desaparecendo, despedaçando-me
sufocando em água
e desesperando

ontem pintei um graffiti para ti
hoje a parede está vazia, fria
sem compaixão pela tua beleza
e sem vestígios de lhe teres
passado a vista por cima.
ontem pintei um graffiti para ti
e hoje nem saberás que ele existe
e amanhã quem te ama desiste
de pintar graffitis.
hoje escrevi um cadernos de textos
para desgastar a imagem
que tenho de ti
para te esquecer em cada palavra
para acordar em cada pausa
em cada ponto final
e me lembrar que não gostas de mim.
para me lembrar
que só o despertador não desiste
e insiste
a cada nove minutos
em me lembrar
de acordar para ti.

mais um porto
mais um morto
mais um aborto
de pensamento, de sentimento
mais um pedaço de auto-comiseração
por causa de mais um não
por causa de mais um vazio
que me encheu o peito.
mais um porto
mais um alento
sobre este céu
de chumbo cinzento.
mais uma noite
nesta caixa vazia
igual a mais oitenta
onde só os frigoríficos
murmuram um suspiro
que me alenta
murmuram um suspiro de revolta
de não solidão,
de compaixão.
mais um porto
mais um morto
mais um aborto
de pensamento, de sentimento

desespero enquanto espero
e o dia beijou a lua
e o luar sugou um novo dia
e o verão comeu uma nova estação
e o frio comeu-me de novo o coração
lua após lua
letra após letra
canção após canção
e mais uma vez
vejo-te desaparecer
entre dons sebastiões
nevoeiros, demónios e solidões
e desespero enquanto espero

uhhh, a vida mata
por cada passo dado
por cada lado virado
da página do dia
uhhh, a vida corre
por cada caminho
traçado ou falhado
por cada estação
apeadeiro alcançado
uhhh, a vida cansa
em cada noite mal dormida
em cada dia mal vivido
em cada momento bom
conseguido
uhhh, a vida moi
em cada ferida aberta
em cada tira de pele
descoberta
em cada cama desfeita
em cada cama por fazer

precisamos falar
a bem da sinceridade
imposta pelo coração
que passeio nas mãos
precisamos de nos tocar
a bem da roupa
tocada do perfume que restou
e da tela por pintar
precisamos de nos beijar
a bem da pele
descoberta de saliva
dos pelos por eriçar
dos preservativos desperdiçados
dos lábios amedrontados
e dos corpos por suar

16/07/2007


Somos como plutão!
quanto mais distantes
mais despromovidos
não cabemos na convenção.
somos feios, impopulares
e não temos gang
somos tristes, distantes
e sérios... e despromovidos.
somos feios e impopulares
e despromovidos
por usar a mesma roupa
dois dias seguidos
e por usar de honestidade
dois dias seguidos.
e os homens de carácter
passaram de moda
como as calças compradas
a semana passada.
somos como plutão.
quanto mais distantes
mais despromovidos.

Foges de mim discretamente
com desculpas desnecessárias
como se eu fosse cego
como se eu fosse não notar
como se eu me importasse
de levar mais um não.
Foges de mim covardemente
atrás de um sms impessoal
como se eu não sentisse
os dedos despachados a teclar
e a cabeça fugir para outro lugar
como se eu me importasse
de levar mais um não
mais uma estalada de razão
por isso foge, foge
foge descansada
e segue o teu coração
que eu não me importo
de levar mais um não