19/07/2007


desespero enquanto espero
e o dia beijou a lua
e o luar sugou um novo dia
e o verão comeu uma nova estação
e o frio comeu-me de novo o coração
lua após lua
letra após letra
canção após canção
e mais uma vez
vejo-te desaparecer
entre dons sebastiões
nevoeiros, demónios e solidões
e desespero enquanto espero

uhhh, a vida mata
por cada passo dado
por cada lado virado
da página do dia
uhhh, a vida corre
por cada caminho
traçado ou falhado
por cada estação
apeadeiro alcançado
uhhh, a vida cansa
em cada noite mal dormida
em cada dia mal vivido
em cada momento bom
conseguido
uhhh, a vida moi
em cada ferida aberta
em cada tira de pele
descoberta
em cada cama desfeita
em cada cama por fazer

precisamos falar
a bem da sinceridade
imposta pelo coração
que passeio nas mãos
precisamos de nos tocar
a bem da roupa
tocada do perfume que restou
e da tela por pintar
precisamos de nos beijar
a bem da pele
descoberta de saliva
dos pelos por eriçar
dos preservativos desperdiçados
dos lábios amedrontados
e dos corpos por suar

16/07/2007


Somos como plutão!
quanto mais distantes
mais despromovidos
não cabemos na convenção.
somos feios, impopulares
e não temos gang
somos tristes, distantes
e sérios... e despromovidos.
somos feios e impopulares
e despromovidos
por usar a mesma roupa
dois dias seguidos
e por usar de honestidade
dois dias seguidos.
e os homens de carácter
passaram de moda
como as calças compradas
a semana passada.
somos como plutão.
quanto mais distantes
mais despromovidos.

Foges de mim discretamente
com desculpas desnecessárias
como se eu fosse cego
como se eu fosse não notar
como se eu me importasse
de levar mais um não.
Foges de mim covardemente
atrás de um sms impessoal
como se eu não sentisse
os dedos despachados a teclar
e a cabeça fugir para outro lugar
como se eu me importasse
de levar mais um não
mais uma estalada de razão
por isso foge, foge
foge descansada
e segue o teu coração
que eu não me importo
de levar mais um não

28/05/2007


quem me dera ter memória fotográfica
para te levar para casa e gravar na tela
para te poder ver todos os dias.
quem me dera ter memória fotográfica
para não ter que te procurar
adivinhando a hora a que vais passar
a hora em que desces as escadas
e me olhas sem qualquer expressão
nem admiração nem desprezo.
quem me dera ter memória fotográfica
para não ter que te procurar
nas faces de todos os vultos que passam,
nem encontrar em cada vulto uma decepção.
quem me dera ter memória fotográfica
para não ter que desenhar
cada pedaço das outras parecido contigo
nem encontrar desespero em cada desenho
por perceber que esta distância
do lápis ás semelhanças nas outras
é o mais próximo que consigo
estar de ti.

21/04/2007


espero encontrar-me, puro e selvagem
quando me despojar dos amigos,
quando me esquecer dos vizinhos
e dos seus silêncios infinitos
enjaulados em caixas como a minha
espero encontrar-me, puro e selvagem
quando me libertar desta cidade cinzenta
onde impera o terror da solidão urbana
que me impõe a companhia duma mesa vazia
e a raiva crescente em gritos escritos
espero encontrar-me, puro e selvagem
na vã tentativa de ser eu, apenas eu
sem representações, mentiras ou omissões
e mesmo assim não estar sozinho

17/03/2007


vivo como um cão largado a 100 kilometros de casa
repetindo todos os dias o caminho de volta
e todos os dias ficando a dois metros da porta
e todos os dias ficando a dois metros de ti
do outro lado do corredor ou das escadas
em que me ignoras, envenenas e apaixonas
com esse andar solto e despreocupado
ensinando poesia às robots das passerelles
que se passeiam pelos corredores
em que me afundo em passos de ilusão, de solidão

15/03/2007


afogo a cabeça em memórias futuras
sonho acordado contigo
invento histórias de primeiros encontros
de primeiros beijos
de primeiros deleites de corpos suados
de primeiros cigarros após fumados
e invento uma história nossa,
um encontro nosso por dia,
enquanto espero por ti pacientemente
lua após lua de insónias,
ou a cada encontro casual de corredor.
e para cada um construo um desfecho feliz por dia
para me lembrar
que vale a pena aqui estar.
que vale a pena repetir os passos
que repeti durante 1000 dias,
só para ter uma oportunidade
de te conquistar.
que vale a pena aqui estar,
que vale a pena repetir os passos
que repito todos estes 1000 dias
só para te conquistar.

08/03/2007


de que foges
de quem te escondes,
ou que psicopata,
que monstro serei eu?
de que carne,
de que pele serei feito?
pergunto ao espelho
e ele mentiroso
não me acusa de grande defeito
e tu não me acusas de qualquer grande feito.
terei visco em vez de sangue,
ou a boca torta, fedorenta ou desdentada,
ou é a insegurança despida
em cada palavra sustida?
doi-me adormecer
doi-me ver amanhecer
encolhido no sofã
e a cama por desfazer
doi-me o corpo
doi-me a cabeça
doi-me a falta que faz
um segundo de calma
um segundo de silêncio
um segundo de paz
doi-me o anelar da mão
de tão só que está
doi-me a boca mirrada
e a face desfeita
à procura da caixa negra
a meio do peito
é tão certo o ter-te perdido
como o nunca te ter tido
e ambos fazem doer

09/01/2007

não te consigo explicar
que orgão do corpo me doi
nem que músculo
nem que parte da pele
sente os pelos eriçar
calimero dizes tu
dejá-vu digo eu

23/12/2006

Desvaneces nas fotos queimadas
pela ausência que ficou
entre a lua e a janela deste quarto
planos desfeitos,
sonhos em balões de ar frio e rarefeito,
murchos e prostados pelo chão.
É difícil levantar quando me deixaste
sem saber para que lado fica a cabeça
e o chão a voar como um tapete persa.
Hoje o dia começou bem, à boa maneira irónica.
Uma hora de sono, levantar e ír para Lisboa em trabalho.
Se a vontade já era nenhuma, andar perdido à procura do local
não a tornou maior.
Para melhorar o dia, não consegui realizar o trabalho.
Já o horóscopo no jornal avisava que algo se poderia decidir hoje.
Voltei para a estação muito mais cêdo do que antevi,
carregando o peso da missão não cumprida, carregando uma culpa
que se vai tornando cada vez mais difícil de suportar.
Umas sandes e um sumo a fazer de pack pequeno-almoço e almoço
foram difíceis de ingerir.
A minha irmã disse-me ontem que ando apático para a vida. E foi
assim que me senti ao debicar as sandes sentado vergado num banco
no salão de espera.
Vi-te passar ou vi alguém muito parecida contigo passar. Mas só vi
o cabelo e as costas. Fiquei sem saber se eras tu,
mas ao ver o comboio em que embarcaste afastar-se
senti como se fosses
e o vazio manifestou-se imponente e profundo
como de todas as outras vezes que te senti partir.
A vontade sucumbiu neste banco e deixei-me desfalecer
e adormecer à espera que o meu comboio chegasse...
O meu comboio que se afasta
parte com destino incerto e quase vazio. Os passageiros,
poucos e de caras familiares vão aqui para me acompanhar
até à porta de casa mas nenhum me olha, nenhum me fala.
Levantei-me e percorri todas as carruagens à tua procura.
Vi toda a gente, mas de ti nem perfume nem sorriso,
só o silêncio ecoado da carruagem vazia...
Acordei de pé a meio do salão de espera da estação.
Ao fundo meia dúzia de passageiros repartidos por
quatro mesas de esplanada olham-me com a indiferença
colectiva de quem por aqui já muitos comboios esperou
e para muitas personagens perdidas na estação olhou.
- É apenas mais uma alma descalça! - Gritam eles
silenciosamente para o fundo do copo de refrigerante.
Volto para o meu banco. O meu trabalho por realizar
continua aqui num computador portátil dentro de um saco
e num cérebro desorientado suspenso em cima de um corpo.
Ningém o roubou enquanto sonambulava à tua procura.
Ninguém quer o tabalho dos outros e eu, apático, também
nutro por ele pouca simpatia.
Encostei a cabeça à parede por detrás do banco.
Ainda tenho meia hora para dormitar antes do comboio partir.
Adormeço novamente...
e os pés começam-me a queimar enquanto caminho pelas
traves de madeira que fervem pintalgadas de óleo queimado
enquanto seguem os carrís.
Tenho que abrandar e o teu comboio afasta-se mais até
desaparecer ao fundo na curva.
- Adeus!... - Desabafo em tom de despedida quase
um ano depois de teres desaparecido mas só agora começo
a sentir o abrandamento da tua falta.
Troquei de mulher.
A anterior era emprestada.
Esta foi comprada por mim numa tarde
tórrida de verão. Foi um impulso pouco pensado,
mas já não conseguia ultrapassar a ausência dela
de cada vez que chegava a casa e me abatia no sofã.
Sentia imediata necessidade de a dedilhar.
Poucas vezes a fazia vir-se com melodias, mas de vez em quando
lá conseguia devido à imaginação ou ao esforço.
Algo se preencheu com a presença dela pela casa
ligada ao amplificador.
Ontem comprei uma guitarra e
hoje já não me sinto tão só.

18/12/2006

recuperado
do tempo do pico de verão
para alegrar estes dias de inverno
e para não esquecer este caderno por aí perdido

Domingo à tarde tórrido!
Eu e mais meia centena de transeuntes
num mini centro comercial
sem os vícios das passerelles de carne humana
das grandes superfícies.
Num qualquer momento após o almoço
algo nos terá feito lembrar que aqui existe
algo parecido com um ar-condicionado.
Um homem de meia idade,
óculos grossos, bigode farfalhudo
examina os negativos de meia dúzia
de rolos de fotografia,
garrafa de água de litro e meio
quase vazia como o seu olhar
enquanto resguarda as fotos
nas capas e as olha
pela última vez.
Terminou! Colocou a última foto.
Juntou os álbuns, pegou na garrafa de água
enquanto guardava os óculos,
pegou na carteira de couro, enorme,
do tamanho de mala de senhora,
e seguiu a voz de comando
das memórias das fotografias.
mas tem sido difícil encontrar todos os teus tons
desde o moreno pálido dum verão longinquo
até um moreno reburescente
de uma cama, de um amor longinquo
de um amor distante

14/12/2006

branco + amarelo ocre + magenta
para pintar a tua pele

29/11/2006

a morte, covarde, faltou ao meu funeral
e agora espero num planeta azul